Uma cena no início de “O Cara da Piscina” entrega ao espectador tudo o que ele precisa saber sobre o filme de Chris Pine. Nela, vemos o protagonista —vivido por ele— deitado com a namorada, papel de Jennifer Jason Leigh, logo após uma transa das mais protocolares. A posição da câmera, de cima e à meia distância dos atores, revela o desconforto dos amantes, enclausurados na cama no fundo de um trailer.
O silêncio desconfortável instiga ambos a propor um assunto —e ao mesmo tempo, uma situação clássica da comédia. Mas o tom de cada um para a conversa é diferente. Ela, que se cala para ouvi-lo, dá a entender que quer tratar de algo sério. Ele, por sua vez, se perde nos pormenores muito específicos do seu dia a dia, que envolve a sua relação com um restaurante após a morte do cozinheiro. Lá pelas tantas, o estranhamento explode em uma revelação: eu já tive um caso com aquele cozinheiro, ela diz.
Só aí que o protagonista —chamado Darren Barrenman— sai da inércia, mas mal dá tempo dele processar a notícia porque ela vai embora em seguida. Com isso, ele não demora a voltar as atenções às próprias preocupações. Basta tirar o pó da máquina de escrever em sua mesa, ajustar o papel no cabeçalho e escrever uma carta para Erin Brockovich, a famosa advogada. Pronto, o seu mundo está de volta ao lugar.
Essa capacidade do personagem em se fechar em si mesmo é a grande atração e fraqueza de “O Cara da Piscina”. Chris Pine sabe muito bem disso. Em sua estreia na direção, o ator se dedica a um personagem que toma toda a história pela auto absorção. O que é um desafio e tanto, considerando o quanto boa parte do drama do filme está nos dilemas internos do tal cara da piscina.
O título vem do fato de Darren ser um piscineiro fracassado, mesmo que passe os dias lutando por causas pequenas em uma subprefeitura de Los Angeles. Ora ou outra, ele vai no consultório da vizinha, uma psicóloga vivida por Annette Bening e casada com um documentarista com visual tão bagunçado quanto o dele.
As suas manhãs também são dedicadas a limpar a piscina do complexo de apartamentos onde vive, que fazem a manutenção do seu estado permanente de torpor. Ele acorda, sai do trailer onde vive, passa a rede na piscininha, mede a acidez e o nível da água e dá um mergulho para meditar. O silêncio dos mergulhos acompanha a câmera, sempre colada no rosto de Pine em meio às bolhas de ar, sugerindo calmaria.
Enquanto o protagonista vive isolado em seus pensamentos, a trama ao redor avança a passos trôpegos. Darren é contratado por uma mulher elegante e misteriosa, papel de DeWanda Wise, para investigar um dos políticos que sempre bate de frente na subprefeitura. Ela suspeita que ele seja corrupto, mas a postura enigmática da moça também não desperta confiança. No curso da investigação, o piscineiro desenrola uma conspiração que envolve os mais poderosos da cidade, em especial os de poder mais antigo, da fundação de Los Angeles.
Se esse andamento lembrou o leitor de “Chinatown”, de Roman Polanski, ele está no caminho certo. O filme entra na história em três ocasiões e parece traço da personalidade de Darren gostar do filme —uma hora ele até revê a fita em um VHS velho.
As chamadas sublinham a direção frágil de Pine, que persegue o gênero do noir sem convicção. O clima muitas vezes é de uma comédia que hesita entre fazer dos coadjuvantes caricaturas ou personagens sérios. Estes estão submetidos à poluição mental de Darren, que passa por crises emocionais sem uma razão principal evidente —a única explicação seria a crise com a namorada, que se resolve rápido.
Mas o que importa ao diretor é justamente esse estado do personagem, o que ora ou outra desperta alguma fagulha. Nos melhores momentos, “O Cara da Piscina” lembra “O Mistério de Silver Lake”, outro imitador (bem mais interessante) de “Chinatown” que usa a paranoia da cidade como expressão do estado do personagem. Entre um filme e outro, a mudança central parece ser farmacêutica, com Pine trocando a maconha pelo Rivotril.
A experiência final é um tanto cansada, mas o objetivo continua a valer. Em especial porque o personagem construído pelo artista —o diretor e o ator— leva uma introspecção muito particular. O erro de Chris Pine é não conseguir extrair mais deste perfil, como se pedisse por um anteparo para o debate —em um diretor ou em um psicólogo. Ao espectador, assim, resta observar o silêncio das águas, à espera de qualquer turbulência.
“O Cara da Piscina” está nos cinemas.
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Isso, pelo menos, até que o mercado de trabalho chame de novo. Aos interessados, o e-mail é o mesmo do remetente. A lojinha está aberta, pode entrar.
Fica a dica: Depois de Horas, de Martin Scorsese
Eu não sei o porquê, mas de repente vejo “Depois de Horas” para todos os lados, graças à exibição da cópia em 4K no IMS e do Blu-Ray que a Versátil anunciou recentemente. O filme é um dos melhores da carreira de Scorsese, capturando com precisão as neuroses da via noturna de Nova York dos anos 1980 pelo elenco de personagens birutas, situações inacreditáveis e uma noção muito boa dos espaços da cidade —para quem já viu, vale muito essa conversa do diretor com Fran Leibowitz. O barato, no momento, é descobrir tudo isso na nova cópia, restaurada na mais alta definição. Um dos trabalhos mais bonitos nessa era do 4K, em que a maior qualidade da imagem e do som só acrescentam ao desespero crescente do protagonismo nessa sinfonia muito doida. Melhor que isso só a projeção em 35mm —que sim, vale muito a pena também.
Onde? No IMS Paulista, nesta sexta-feira (7) às 21h e no dia 22 às 19h30. O Blu-Ray do filme também está pré-venda na Versátil Home Video, dentro do box “Mestres do Cinema: Martin Scorsese”.